


A flor e o espinho
A flor de maracujá - eu bem me lembro - abriu-se em bela tarde de Setembro, numa ramada nova, luzidia que, lá no fundo do terreiro, seus longos braços decididos estendia entre os espinhos do meu velho limoeiro.
Certo dia, o maior destes espinhos assim falou, num gesto pontiagudo:
- Ó flor, não vês tantos insetos maus, daninhos que te roubam o mel, o pólen e tudo e ferem teus tecidos e matizes?
Como é que nada dizes quando te assalta tanto bicho feio?
Como ficas aí, sem queixume, deixando o vento carregar o teu perfume para ir perfumar terreno alheio?
Enquanto é tempo, fecha as pétalas lustrosas; guarda só para ti tanta beleza!
Declara guerra aos beija-flores e às abelhas horrorosas que comem, sem pagar, à tua mesa. Isso é uma afronta! Tu vives sendo depredada e não te cansas? Se queres eu te empresto a minha ponta: longos espinhos para usar como lanças!
A flor, porém, sorri, balançando a corola à cadência de um vento e, numa onda de perfume que se evola, assim diz ao espinho agressivo e violento:
- Tu não conheces o destino de uma flor; não nasci para o ódio, eu nasci para o amor. Guerra, queixa, agressão... Que sugestão é está? Ser flor é ter as pétalas em festa, espalhando o convite dos perfumes às abelhas, de dia e, à noite, aos vaga-lumes, enfim a todos os bichos da floresta.
Ser flor é ter um coração cheio de mel, como pote dourado aberto a quem vier, até mesmo pra ti, pobre espinho insensato.
É mesa posta o coração das flores: pólen e mel, perfume e cores, banquete de abelhinhas esfaimadas! Não me fales de lanças nem de espadas; já viste alguma flor num campo de batalha? Toda flor é um pequeno castelo de fadas, sem fosso nem muralha, sem torres nem ameias, franqueado sempre à fome e à indigência alheias. Ser véspera do fruto e véspera da vida eis toda a sua essência colorida: perfume e cor em gesto de esperança e presente que a mão por mais pequena alcança. Tu não sabes, espinho - ah, como vais saber? - não suspeitas sequer o indizível prazer e juventude que se tem em vida nova e outra beleza para algem
Assim falou... mas, afinal um dia , as pétalas caíram e... ei-la despojada! O espinho comentou então, com ironia: Eis a que fim chegou esta pobre obstinada: deu tudo o que possuía, no fim morreu sem nada!
Alguns meses mais tarde, eu fui rever, muito tempo depois, da primavera, o meu maracujá, no fundo do terreiro que ainda pelejava contra o limoeiro. Com que imenso prazer eu descobri, então, que lá na mesma rama onde a flor estivera, bem ao lado do mesmo espinho bruto, havia agora um fruto em forma de coração.
Se todos nós aprendêssemos a viver como flor não teríamos guerras, violência, injustiça...... e seríamos felizes.
Para todos vocês meus queridos amigos uma feliz primavera!
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A flor de maracujá - eu bem me lembro - abriu-se em bela tarde de Setembro, numa ramada nova, luzidia que, lá no fundo do terreiro, seus longos braços decididos estendia entre os espinhos do meu velho limoeiro.
Certo dia, o maior destes espinhos assim falou, num gesto pontiagudo:
- Ó flor, não vês tantos insetos maus, daninhos que te roubam o mel, o pólen e tudo e ferem teus tecidos e matizes?
Como é que nada dizes quando te assalta tanto bicho feio?
Como ficas aí, sem queixume, deixando o vento carregar o teu perfume para ir perfumar terreno alheio?
Enquanto é tempo, fecha as pétalas lustrosas; guarda só para ti tanta beleza!
Declara guerra aos beija-flores e às abelhas horrorosas que comem, sem pagar, à tua mesa. Isso é uma afronta! Tu vives sendo depredada e não te cansas? Se queres eu te empresto a minha ponta: longos espinhos para usar como lanças!
A flor, porém, sorri, balançando a corola à cadência de um vento e, numa onda de perfume que se evola, assim diz ao espinho agressivo e violento:
- Tu não conheces o destino de uma flor; não nasci para o ódio, eu nasci para o amor. Guerra, queixa, agressão... Que sugestão é está? Ser flor é ter as pétalas em festa, espalhando o convite dos perfumes às abelhas, de dia e, à noite, aos vaga-lumes, enfim a todos os bichos da floresta.
Ser flor é ter um coração cheio de mel, como pote dourado aberto a quem vier, até mesmo pra ti, pobre espinho insensato.
É mesa posta o coração das flores: pólen e mel, perfume e cores, banquete de abelhinhas esfaimadas! Não me fales de lanças nem de espadas; já viste alguma flor num campo de batalha? Toda flor é um pequeno castelo de fadas, sem fosso nem muralha, sem torres nem ameias, franqueado sempre à fome e à indigência alheias. Ser véspera do fruto e véspera da vida eis toda a sua essência colorida: perfume e cor em gesto de esperança e presente que a mão por mais pequena alcança. Tu não sabes, espinho - ah, como vais saber? - não suspeitas sequer o indizível prazer e juventude que se tem em vida nova e outra beleza para algem
Assim falou... mas, afinal um dia , as pétalas caíram e... ei-la despojada! O espinho comentou então, com ironia: Eis a que fim chegou esta pobre obstinada: deu tudo o que possuía, no fim morreu sem nada!
Alguns meses mais tarde, eu fui rever, muito tempo depois, da primavera, o meu maracujá, no fundo do terreiro que ainda pelejava contra o limoeiro. Com que imenso prazer eu descobri, então, que lá na mesma rama onde a flor estivera, bem ao lado do mesmo espinho bruto, havia agora um fruto em forma de coração.
Se todos nós aprendêssemos a viver como flor não teríamos guerras, violência, injustiça...... e seríamos felizes.
Para todos vocês meus queridos amigos uma feliz primavera!
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